sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

5ª Edição da Matança do Porco (1)

Freguesia de Mondim de Basto 2011

A Matança do Porco

Vai uma festa em casa – um alarido!
Trocam-se brados, há rumor de louça.
E entre o cruzar dos pratos e das ordens,
Surpreende-se um fulgor desconhecido
No olhar da gente moça.

Vai uma festa em casa... e a faca desce
- desce direita ao coração do porco.
Ouvem-se roncos surdos. E o animal,
De súbito atingido, cai de borco,
Já sufocado p’lo estertor final.

Cheira a chacina. Na lareira canta
Um grande fogo – um fogo tutelar.
No entanto, nada me perturba e espanta
Como o afiar das facas no alguidar.

Mostram-se os dentes, batem uns nos outros.
Não cuidem que é apenas a fartura!
Bravios como potros,
A pobre boca já não os segura.

Assada ou crua, querem uma presa,
- querem rasgar, morder raivosamente!
E a barafunda continua acesa,
Não há poder que tenha mão na gente!


Somos irmãos dos bailarins da lenda.
Matou-se o porco. E na folia doida
Não pode haver cansaço que nos renda!
Anda connosco tudo, tudo, à roda!

Matou-se o bácoro. Oh, que apelo enorme
À fúria de mandar, de ser senhor!
O espírito ancestral, se ainda dorme,
Vai acordar como um dominador!

E as facas no alguidar entoam a inventiva
Que fuzilando nas pupilas erra.
Desejos de morder! Odor a carne viva!
Que é do inimigo? Então quem rompe a guerra?

Da noite das Origens cresce um coro,
- o coro dos avós de antigamente.
Matou-se o porco. E o eco do imorredouro
Toma expressão de súbito na gente.

Matou-se o porco. Ó génios da lareira,
Dependurái a citara e saí.
Cheira a chacina. A mortandade cheira.
A paz que vós cantais fugiu daqui!

Matou-se o porco. E no cachão que nos anima,
Poesia-heroica, o teu favor exoro!
Sede comigo vós, Oitava-rima!
Valei-me, ó Decassilabo sonoro!

Poema de António Sardinha

Continua...

Sem comentários:

Enviar um comentário