Toada da Mãe para o
Filho
Ó desgraça! Vai-te embora,
Que esta linda criancinha
Andou no meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!...
Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão...
E, quando a aperto nos braços,
Abraço o meu coração.
Quando o seu chora receio,
Embalo-a, faço que aceite
A alegria do meu seio
Na brancura do meu leite...
E, quando assim não descansa,
Que tristezas me consomem!
- Mas antes chore em criança,
Que depois, quando for homem...
Se ao dá-lo ao Mundo sofri
Tormentos, ânsias mortais,
Desgraça, vai-te daqui,
O que pretendes tu mais?!
Bate as asas, mas, ao voares,
Não me apagues esta estrela.
Se alguém daqui precisares,
- Aqui me tens, em vez dela.
Tocam às ave-marias.
Foi-se o sol. Não vem a lua.
Luzinha que me alumias,
Que sorte será a tua?...
Recolha Literária Popular
As Crianças pelas palavras dos Mestres Fernando Pessoa e José Régio
Quando as crianças brincam
E as oiço brincar,
Qualquer coisa em minh'alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração!
***
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum!
(Alberto Caeiro - Excerto de "Poemas Inconjuntos")
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CONTO
Vai o menino só na estrada grande,
Grande e medonha entre os pinhais sombrios,
Entre uivos ruivos, roucos e bravios
Arranhando o silêncio que se expande...
A mãe dissera-lhe: - Ó menino, ande
Longe das selvas, dos fundões, dos rios...
E avós, irmãos, amigos, primos, tios:
- Menino, vá por onde a gente o mande!
Mas o menino foi desobediente.
E andou por vias ínvias ou sem gente,
Pela mão de enigmáticos destinos.
Saltar-lhe-ão lobos vis e cães de el-rei...
- Foi pondo o ouvido em terra que escutei
Lobos uivar e soluçar meninos.
José Régio - Biografia (1929)
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